quarta-feira, 25 de junho de 2008

Chicletes, bituca e todo sentimento do mundo...


Encontrou grudado na sola do sapato um pedaço de chicletes e uma bituca de cigarro. Ficou tanto tempo ali colado escondendo os segredos daquela noite. Calaram as palavras. Mas o corpo falou como nunca. Desbravava sem medo as articulações em movimentos deliciosos. Rostos colaram. Ela queria super bonder. Ele durex. Ah, quem inventou o descartável? Foi esse talzinho aí que assassinou o amor à distância. A virtualidade do coração cortou a verdade do corpo. A dança desmaia. O pé volta para o ponto de partida, enquanto os olhos já comeram o sentimento do outro. A sensibilidade das palavras não se encaixa na frieza do desencontro. Braço pressionado contra o outro. Desejos desfilam beijos molhados. As pintinhas encontram-se escondidas no escuro de um deslize de palmas das mãos. O amortecimento dos dias silenciam a dança. O sapato, a bituca, o chicletes, uma flor feita em trinta segundos e todo sentimento do mundo...
Imagem: Angústia - Salvador Dalí

terça-feira, 17 de junho de 2008

Não podes dançantes

Um certo sentimento gostoso me fez voltar a fazer viagens altamente machucativas. Dessa vez o sabor nem era misturado. E esse passeio era daqueles que vão revirando tudo que encontram dentro da gente. Dia vira noite, paixão vira ódio, medo vira vontade. O coração mostra língua. O estômago se espreguiça. E o pescoço alcança as nuvens. Mas era como se uma tomada me perseguisse. Disparava seus choques e assim não me deixava esquecer. Entreguei-me àquela luzinha. Com um leve mexer de ombros empurrei pra longe todo não pode que me atormentava. Ficaram ali no canto desmaiados, esperando seu tempo de voltar. Fiquei bem quietinha. Queria ver se eles não acordavam do torpor do esbarrão. Olha, tava dando certo, té que em uma noite de lua cheia, alguma coisa lá dentro gritou. Acho que era esse meu monstro que eu tanto escondo. Ele despertou os não podes. Mas como estavam atiçados com as estrelas, resolveram falar não pode para a tristeza. Que rebuliço feliz. Dançaram os não podes e as estrelas. Deram vivas. Contaram-me meu conto de fadas preferido, que é aquele que as cores todas se misturam. Então demos todos as mãos e dançamos o resto da noite daquele jeito que parece que os corpos vão se misturando. Porque até os não podes, às vezes, esquecem do não.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Cartas



Dia normal. Leituras e obrigações. Desci as escadas para ir até o centro. Já eram quase cinco horas, estava atrasada. Mas me detive por alguns segundos na curiosidade habitual que tenho com a caixinha do correio. Uma surpresa quando vi que tinha uma carta mais gordinha. O envelope estava exatamente com a pontinha saindo pra fora. Com todo o cuidado que não costumo ter fui puxando devagarinho. Como estava sem a chave da caixinha, um segundo de descuido significaria ver a carta indo pro fundo do buraquinho. Não saberia de quem era. Ela deslizou, mas eu agarrei com a ponta dos dedos. Consegui! Estava toda alegrinha achando que podia ser um presentinho do Pará. Pois sabe que receber uma carta é como ganhar um presente. Foram dois segundos que os olhos brilharam. Nos dois seguintes enxerguei a marca do Banco do Brasil. Droga! Será que um dia a gente recebe algo que não seja conta ou propaganda?

Boas foram aquelas épocas em que chegava do frio da rua e sorridentemente uma senhora me esperava. Ela estava claramente fascinada com aquelas cartas que eu recebia todas as semanas. Vinham de tão longe... Eu ansiava cada um daqueles envelopinhos tão gostosos. Pegava aquele segredo e subia correndo para o meu quarto. A senhora, coitada, vivia na ilusão de que eu lhe contasse de quem eram, o que diziam, de onde eram... Mas aquele era só pra mim. Lá dentro, sozinha, eu olhava para o selo, para a letra da carta, balançava, olhava através do envelope. E então rasgava pelo ladinho, para que nenhuma letrinha fosse ferida. Que prazer!!!

Eu me angustiava com a demora de um papel tão amado que vinha de tão longe. Insisti para que aprendesse a usar a internet. E foi no que deu. Antes eu sabia que as palavras eram pensadas em um pub, muitas vezes regadas a Guiness. Naquele lugar que sempre nos encontrávamos na saída da estação, onde ficou uma tulipa amarela que deveria ter sido minha. Agora, provavelmente, elas são escritas em uma mesa de biblioteca, de uma máquina usada por milhares e milhares de pessoas. Infelizmente raramente vivo de novo essa sensação da espera que senti hoje a tardezinha ao tentar pegar a carta do Banco do Brasil. Como podia ser tão tola e achar ruim toda aquela expectativa?

Agora o que me resta é esperar uma carta prometida de terras mais quentes que aquela, mas sei não se chega, viu?

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Estrela torta






Já levava uns dias que andavam torcendo o nariz.Dias de não. O carnaval já tinha ido embora. Mas as noites insistiam em se alongar. Uma estrela torta caiu em sua frente. A música alta não deixava ela prestar atenção. Segunda, terça, sábado. Terça, sexta, sábado. Aquele cheiro de fumaça andou lhe dando boa noite. Tropeçou no escuro. Viu miragens. Sonhou com príncipe encantado. A nuvem derreteu. O sol deu tchau e finalmente a deixou em paz. Atenção! Atenção! As mãos tocavam a estrela. Era um calorzinho bom. Barulinho de riacho. Contornava-se o gosto daquela história. A estrela torta mostrava-se ora tão apaixonada pelos seus vôos altos, ora tão absorta nas luzes da noite. Enquanto isso a mão continuava a pensar. Deslizava suas idéias pelo mindinho. Arrastava a cortina para não enxergar aquele brilho. Deliciava-se sentindo aquela idéia nova. Mas fugia. Escondia-se no meio das palavras. Falava com o silêncio e não compreendia. Perdia o chão no meio do barulho. Encantava-se com a ternura daquele brilho que dava conta também dos pequenos. Assustava-se em ver no novo o velho. Não era igual, mas corria pelas linhas da sua história. Um óculos que sumia pra dar lugar a vontade. Queria experimentar tudo. Sempre. Queria ousar a dança que não sabia. Se pulasse na estrela teria uma imensidão de sensações novas a conhecer. Mas o dia sempre voltava. A estrela sempre cadente. Mão, mão! Pois não? Fecha a cortina, por favor!________