quarta-feira, 26 de março de 2008

Dois em um




Ela já nasceu dividida. Verde do pai, vermelho da mãe. Polaca na pele, paulista na vida. Foi crescendo meio sem saber por onde. Espalhava-se no jardim na hora do sol. Virava caramujo quando rodeada por outros olhos. O gosto pela brincadeira com as palavras vem daquela mala fechada. Já, o delírio e euforia não dá pra negar que herdou daquelas noites alegres. Dançava. Batia o pé naquela aguinha do banho. Tinha medo de altura, de subir em árvore. Gostava de casinha e de boneca. Quando lhe perguntaram o que queria ser foi um Deus nos acuda. Médica, psicóloga, jornalista, advogada. A tonta da menina escolheu errado. O caminho direito lhe fez mal. Era como se lhe arrancassem a língua. Um chapéu lhe tira da cadeira. Alegra-se. O cheiro do cigarro a persegue. Anos depois, uma festa. Daquelas que a mãe tinha lhe ensinado. Bolo, docinho, despedida e amigos. Um bebê. Encanta-se, canta. Volta a dançar. Mais uma vez ela se vê em duas cores, em dois lados. O lado que não quer matar o outro. Côncavo e convexo ao mesmo tempo não dá! Prende a respiração. Esconde-se do sol. Vê o tempo lhe deixar cada vez mais dividida. Duas partes. Cadê o soberano? Mais uma vez encontra o vermelho. Para quê? Por que essa menina não pode tomar um chá de camomila? Dêem-lhe um lexotan. Parem o carossel. Tudo gira. Ela encontrou um vestido preto. Tão bonitinho e simpático. Mas parece que ele escolheu o chapéu. O vestido preto vai passear com o chapéu. Vestido. Chapéu. Vestido. Chapéu. Vestido. Chapéu... que canseira!

sábado, 22 de março de 2008

"A menina dança dentro da menina"



A sensação de estar no mundo errado jamais lhe abandonara. Ainda mais amargo era saber-se desajeitada no lugar onde lhe colocavam. Sabe o jogo de achar países? Ela acabava sempre na Espanha, mesmo desejando a França. Quando lhe parece rosa é cinza. Na esperança de o cinza se colorir, joga conversa fora. Vascila e pisa em falso. Volta pra casa com a cabeça desaguando em desentendimento. O animal perfeito esconde-se. Foge. Ela está prestes a matá-lo. Mas ele é bravo como a avó com medo da seca. Um dia, o rosa vem. De novo. Ela sempre desejara um vermelho desconfiado daqueles. Sem provar. Mas lhe parece tão gostoso. Sabe, ela sente o gosto de brincadeira. Daquelas que ninguém está preocupado com a medália. Os gritos pulam da boca das crianças. É como se ela voltasse a acreditar que pode convidar alguém para o gira-gira. Lembra das cores dos olhos fechados? Pode ser que elas existam mesmo sem sol.

domingo, 9 de março de 2008

O dia que vai bater diferente!


Todos os meses do ano passaram até chegar hoje. Primeiro o coração enrijeceu. Parecia que tinham lhe dado veneno. Bastava um suspiro para ativar o mar de lágrimas. Mágoa que se desfazia em tempestades serenas. A dor de amar e desamar. Fúria despejada naquele que antes recebia os gestos mais doces do mundo. O pensamento não conseguia se desfazer dos recortes coloridos que aquele tempo deixou. O corpo contorcia-se na espera do calor com o qual havia se acostumado a passar as noites. A alma desfalecia. Como começar se não acreditava no fim? Ouvidos cansaram daquela ladainha. O sol tentou roubar do quarto tudo aquilo que ele tinha ganhado durante aquele tempo. Não era pouco, nem fácil. A cidade era nova, mas tudo que queria era a velha. Sonhava com dias acinzentados eternecidos por aquele outro corpo. Mas, pouco a pouco, a nova cidade foi se tornando realmente ensolarada. Pois naqueles dias vivia dentro de uma nuvem de fumaça. Nem um palmo a frente do nariz. Tentou enganar o coração com a razão. Mas o corpo sempre estava lá pra não deixar esquecer. Os olhares nem se encontravam mais. A alma amada já não lhe pertencia. Pertencer... que coisa boba! Dia a dia e um cantinho a menos daquele peito doía. A vida voltava a se iluminar tãaao devagar. Um dia reencontrou um amigo em uma cidade tão ensolarada quanto a nova.Naquele lugar que muitos já foram felizes. Era uma companhia antiga, com velhas memórias e novas histórias. Tinha também um carinho especial. Ele achou a chave do corpo dela. A alma não esquentou novamente. Nem mesmo um dos dois queria isso. Mas o corpo voltou a acreditar... Ainda acontece de a moça acordar domingo com saudade daquele quarto gelado. Lá onde apenas dois corações jovens e eternecidos vivam às gargalhadas. O corpo não sabe como seria encontrar de novo aquele cheiro. Sabe que naquela cidade cinza há um coração sendo amado. Mas,serenamente, apenas espera o dia de bater diferente de novo.