Era pequena. Sonhava com castelos encantados. Vivia um pouco aprisionada por seus medos. Algo lhe impulsionou a girar. Isso ia lhe dando forma. Não era forma de moça. Era uma dessas esquisitas. Muitos não sabiam dizer o nome. Mesmo que lhe nomeassem, a forma não se encaixaria. A forma ganhava contornos cada vez mais fortes. Via as cores do pião se desfazerem no ar. A menina se olhava no espelho e aquele girar desembestado tinha feito com que esquecesse os castelos.Agora seu corpo pairava na Terra como que em pedaços de história. Um dia descobriu que era dona dos seus pés, dos seus braços, da sua cintura e de seus pensamentos. Desenhados com muitas cores. Das tristes às felizes. Era um carnaval escondido dentro da cabeça. Não tinha dia certo pra sambar. E ninguém sabia quando ia chegar a quarta de cinzas. De repente ela chegava e ficava ali acomodada. De férias dentro daquele corpo que não era de menina. Como se lhe sugasse a vida. O segredo era que tinha aprendido a dançar.Uma dança sem nome, só dela. Podia ser acompanhada por outros corpos. Um corpo anuviado, certa vez, lhe ensinou alguns passos.Mas quando a ressaca chegava não tinha nuvem nem sol que lhe fizesse sambar. Recolhia-se dentro de seus pensamentos escandalosos e doloridos.Era a quaresma. Quaresma dura mais que carnaval. Muito mais. Mas quem fica na memória são as cores, os confetes, a serpentina. Era bom porque então teria tempo para lembrar que no carnaval braço tinha virado perna, ombro cotovelo, boca olho.E seu maior prazer era fechar os olhos e fazer as cores dançarem. Tudo tinha se encontrado num sincretismo tão violento, que era preciso parar. Agora restava uma dor. Uma dor de vida. Era a dor de querer sempre a violência da alegria.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Violentada
Era pequena. Sonhava com castelos encantados. Vivia um pouco aprisionada por seus medos. Algo lhe impulsionou a girar. Isso ia lhe dando forma. Não era forma de moça. Era uma dessas esquisitas. Muitos não sabiam dizer o nome. Mesmo que lhe nomeassem, a forma não se encaixaria. A forma ganhava contornos cada vez mais fortes. Via as cores do pião se desfazerem no ar. A menina se olhava no espelho e aquele girar desembestado tinha feito com que esquecesse os castelos.Agora seu corpo pairava na Terra como que em pedaços de história. Um dia descobriu que era dona dos seus pés, dos seus braços, da sua cintura e de seus pensamentos. Desenhados com muitas cores. Das tristes às felizes. Era um carnaval escondido dentro da cabeça. Não tinha dia certo pra sambar. E ninguém sabia quando ia chegar a quarta de cinzas. De repente ela chegava e ficava ali acomodada. De férias dentro daquele corpo que não era de menina. Como se lhe sugasse a vida. O segredo era que tinha aprendido a dançar.Uma dança sem nome, só dela. Podia ser acompanhada por outros corpos. Um corpo anuviado, certa vez, lhe ensinou alguns passos.Mas quando a ressaca chegava não tinha nuvem nem sol que lhe fizesse sambar. Recolhia-se dentro de seus pensamentos escandalosos e doloridos.Era a quaresma. Quaresma dura mais que carnaval. Muito mais. Mas quem fica na memória são as cores, os confetes, a serpentina. Era bom porque então teria tempo para lembrar que no carnaval braço tinha virado perna, ombro cotovelo, boca olho.E seu maior prazer era fechar os olhos e fazer as cores dançarem. Tudo tinha se encontrado num sincretismo tão violento, que era preciso parar. Agora restava uma dor. Uma dor de vida. Era a dor de querer sempre a violência da alegria.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Poema
As unhas vermelhas já estavam descoloridas. Já faz tempo que não combina mais com aquela mão magricela de dedos tortos. Gostosa, quentinha... Apesar da notícia magricela ter lhe incomodado um tanto. De ter passado o dia imaginando um dedinho encostando no outro de novo. O que iria lhe fazer dormir triste não era bem isso. Acontece que não conseguiu falar com aquela mão que fechava o portãozinho. Relembrava a mão acendendo o cigarro. Jogando a carteira fora. Abraçando os amigos. Pegando o celular no fundo do fundo do bolso. Encostando na sua pele. Mas ficara para trás. Deixara junto com a camiseta branca de bolsinho. Sua mão cheia de pudores não quis pegá-la. Mesmo depois de um sim. Como era boba! Um dia quem sabe iria crescer. E jogar as cinzas de todos os seus mortos no rio. Nem queria na represa não. Que nadassem para bem longe. Não ia mais cuidar para que não fossem parar no abismo. Se esse era o destino que procuravam, que fossem felizes. As unhas vermelhas também seriam. Elas descobriram o poema. É, nome de esmalte, mesmo, viu! Poema... poema... que coisa! As palavras só lhe serviam para inventar castelos. Não era mais hora de fantasia. A vida real queria muito que essas mãos de unhas poema lhe abrissem a porta.
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
Risco de vida
Les jours gigantesques - Magritte
Às vezes ainda tem vontade de se esconder embaixo da mesa. O calor de casa lhe conforta. Queria desenhar um lugar só dela. Não sabe por onde começar o traço. Vacila com o lápis em cima do papel. Rabisca um pouco. Esquece um tanto a solidão. Aprendeu demais sobre seus prórpios olhos. É tão difícil fitá-los. As lágrimas pulam sem motivo. As águas sofrem tanto para alcançar o alto do morro. Se pudesse capturar uma única imagem escolheria aquela. O pé embaixo d'água. O tanque naquele jardim de vasos. A água escorre pela perna. Num tom abaixo da vida real. Gostara daqueles dias arrastados. A dor de por anos ter pregado uma peça em si mesma lhe tirava o sono. Pendurou as lágrimas no varal. Uma a uma ... sabia que secariam. A cicatriz não iria mais doer. De repente a vida chegaria de novo. Os tombos já tinham voltado. Nem sabia mais que cor combinava com ela. Gostava tanto da janelinha distante que lhe estendia um sorriso todos os dias. Queria a alegria daquela calça comprida. As cores podiam até variar, mas sabia que o sorriso nunca lhe faltaria. Agora tinha que desenhar a vida sem tirar o lápis do papel.
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
Para um 2009 feliz!
2009 começou com cara de balanço...
"Viver tem dessas coisas: de vez em quando se fica a zero. E tudo isso é por enquanto. Enquanto se vive.(...)
Liguei meu rádio de pilha. Para o Ministério da Educação. Mas que música triste! não é preciso ser triste para ser bem educado. Vou convidar Chico Buarque, Tom Jobim e Caetano Veloso e que cada um traga a sua viola. Quero alegria, a melancolia me mata aos poucos.
Quando a gente começa a se perguntar: para quê? então as coisas não vão bem. E eu estou me perguntando para quê. Mas bem sei que é apenas "por enquanto". São vinte para as sete. E para que é que são vinte para as sete?"
Clarice Lispector. Por enquanto. In: A via crucis do corpo
Enquanto eu penso, ela fala por mim.
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