segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O tempo




Os anos tinham comido a história daqueles olhos. O cachorro não latia mais. A mãe não preparava o café. O vô não tocava gaita. As horas sussurravam mau agouro. Cruzava a esquina ainda desejando as luzes, mas só encontrava pó. Não sentia mais o desespero. Era como se algo lá dentro tivesse quebrado. Primeiro os cacos lhe inflingiram em dor. Agora para não vomitá-los andava muito devagar. Isso lhe aliviava a dor, mas lhe impedia de dançar. Digeria a fúria adolescente. Era o tempo a lhe devorar. Tudo ia ficando amarelado como foto antiga. Alegria, desejo, saudade. Por que é que inventaram o círculo, o relógio, a bússola? Se antes pensava que não era linear, agora ia mais longe. Também não conseguia se fechar em forma nenhuma. Nesse caos sem forma eram as cores que queriam falar. Saiam da sua boca como os lenços saem da garganta do mágico. Seu querer não tinha mais tantos lados. O caminho era sem volta. Mergulhar nesse caldo colorido lhe doía, lhe fazia gritar, espernear, sumir... Viajava inconscientemente dentro do seu faz-de-conta. Continuaria por caminhos ainda incertos. Com certeza menos vermelhos, mas o traçado caberia dentro de seu caderno.

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