quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Didi, Nego, Dito, vô



Impossível ouvir uma banda tocar, em qualquer cidade do mundo, e não me lembrar imediatamente do vô Dito caminhando firme, porte de galã hollywoodiano e sorrisinho maroto escapando de lado, rumo ao palco de alguma solenidade oficial de sua querida Fartura. Sem o menor pudor de cair no clichê, confesso que conviver com meu avô foi um baita dum imenso privilégio. Assim mesmo, no superlativo. Desses privilégios que a gente precisa agradecer aos céus por ter caído no nosso colo.

Nem mesmo nos últimos dias por aqui ele perdeu a força, o jeito bem-humorado de levar a vida, o interesse pela cotação do preço do café e o cuidado com a família. Segundo dos cinco filhos de Tonica e Isaac, nascido no dia 17 de julho de 1925, irmão de Mariinha, Pio, Álvaro e Zezinho, pai de três homens e três mulheres, avô de 14 e, ufa, recentemente bisavô – ele, que tanto gostava de crianças, felizmente conseguiu curtir os primeiros sorrisos da pequena Lara. E mais: companheiro apaixonado de Dona Juvelina. Na vitória e na derrota, na saúde e na doença, na pobreza e na riqueza. Amando e respeitando. Para sempre.

Vencedor, sim. Não só por ter sido eleito prefeito dessa cidade por três vezes, despachado com governadores de Estado, deputados, colegas prefeitos e vereadores; ou por ter deixado uma marca positiva para gerações e gerações de farturenses, do principal rival político à Maria – que num gesto impressionante fez questão de ajudar a carregá-lo até sua nova morada. (E só para registrar, qual político brasileiro consegue essa proeza hoje em dia?).

Enfim, vô Dito foi um vencedor porque amou muito e sempre será muito amado.

Lembro que, quando menina, adorava pegar no seu “muque”. Achava o máximo quando pensava que ele era bem mais forte que os avôs velhinhos das minhas amiguinhas! A cada reencontro, um frio na barriga, já que um de seus maiores prazeres era mordiscar o cocuruto dos netos. Ele simplesmente não resistia e a gente se resignava, afinal era tão bom estar pertinho do vô Dito de novo...

Ainda era bem pequena quando ele ensinou a mim e ao meu irmão a cantar as marchinhas de carnaval que tocava no trompete com sua banda no coreto. “O seu cabelo não nega, mulata...” Ai, como ele se divertia com a gente! O melhor mesmo era quando resolvia tirar o velho instrumento do armário e “dar uma palhinha”. Olhem só, ele ainda dava show particular pros netinhos!!!!

Com vô Dito aprendi ainda a pescar (ele colocava com a maior paciência a minhoca gosmenta pra gente no anzol); a assobiar (lógico que sem seus requintes melódicos); e a gostar de novela. Mesmo quando minha vó não queria deixar as crianças assistirem “àquelas sem-vergonhices”, meu vô dava um jeitinho de colocar a gente na sala de televisão. Com ele não tinha tempo ruim.

Mais uma vez sem medo de cair no clichê, confesso que ele me ensinou principalmente a amar. Quem é que não se emociona ao presenciar um senhor de idade chorando, sem pudor, de pura felicidade, ao rever momentos marcantes de 50 anos de casamento?

E o danado continua a me surpreender. Terça-feira, 21 de outubro de 2008, pouco depois das 13 horas. Em frente ao túmulo florido, Ângelo Lucareli esperou a saída do cortejo para prestar sozinho sua homenagem ao velho e grande amigo. E confessou para mim, minha irmã e minha mãe: “Ele foi um rapaz bom, de coragem. Gostava de ir na frente de todos. E a gente gostava que ele fosse na frente mesmo, porque o Dito sabia o que fazia e sabia como fazia. Tratava todo mundo bem, gostava de tratar todo mundo bem. Esses paralelepípedos onde você pisa agora, aqui no cemitério, foi ele quem mandou colocar. Ainda me lembro quando chegou o pessoal no caminhão, com as pedras para o calçamento”.
E então: não é pra se encher de orgulho???

Autoria: Mariana Garcia Ribeiro Soares da Silva, jornalista, 30 anos. Neta mais velha de Benedito e Juvelina. Filha de Maria Aparecida Garcia Ribeiro e Jayr Soares da Silva. Irmã de Cássio e Bárbara. Prima de Lívia, Renato, Letícia, Luciana, Marília, Gabriela, Érico, Ana Flávia, Rafael, Isaac e Vitor. E da pequena Lara.


P.S. - mais uma vez a Mari escreveu um texto lindo depois de quinze dias muito tristes... dessa vez sobre meu vô... quanta saudade fica!!

2 comentários:

@andrevendrami disse...

Lindo mesmo o texto da Mari. A gente sempre se orgulha dos avós neh, impressionante! Muito mais que de pai e mãe, a gente sempre tem um orgulho dos avós. São eles que nos ensinam o que somos, o que eh certo, e ensinam o errado tb, pra gente ver que não deve fazer.
Eu sei bem como é perder um vôzinho tão querido, sabe. Sei exatamente como vcs se sentem. E a cada visita ao túmulo do meu, lágrimas me vêm aos olhos. Fico lembrando das coisas que passamos juntos, das coisas que ele me dizia e querendo que ele ainda tivesse ali pra tantas coisas novas... Mas uma coisa boa nisso tudo, eh que ficam as lembranças, e principalmente, ficas as lembranças boas, como todas essas que a Mari conta, que vc Lezinha também sempre conta nas nossas conversas... E o bom é que ainda ficam as diversas histórias do nosso "realismo fantástico" do nosso querido "Coronel", que eu infelizmente não pude conhecer ao vivo, mas mesmo assim tinha um carinho imenso. Saiba que ele está bem. Tenha certeza disso.
Beijos,
Andrezito.

Anônimo disse...

Oi Mari, é a Isabeli. Da última vez que eu fui para Fartura a Li me disse mesmo que seu avô tinha morrido. Achei bonito seu texto. Beijo