quinta-feira, 11 de junho de 2009

204

À minha mais solitária vizinha do nome esquecido e da face embaçada pela memória, do choro abafado pelo barulho dos pratos, da voz encoberta pela sombra daqueles que não enxergam a porta da frente, das cartas engasgadas na caixa do correio, do dicionário de inglês que nada podia falar das palavras que, quem sabe, contassem sua angústia, dos vizinhos tão ensimesmados em suas mediocridades, sinto dizer que o dia amanheceu tão cinza quanto aquele em que você se foi. Apesar de as rosas estarem floridas no jardim, não há vida do lado de fora do vidro. Continuo por um impulso inicial que ainda não chegou ao fim. Às vezes quase o ciclo estaciona, mas aí bate um vento, cora meu rosto, e, faz meu corpo reverberar no movimento da vida. Confesso não compreender o sentido dessa nossa existência tão solitária e sinto como se minhas cordas vocais, veias, peito e alma se rasgassem. Ainda pior é saber que não lhe levarei nenhuma flor, não lhe dei nenhum sorriso nem lhe emprestei uma caixa de fósforos. Se seu sofrimento tiver chegado ao fim, fico aliviada e respiro melhor por alguns segundos. Como se soltassem o cinto opressor que insiste em se costurar na altura do meu pescoço. Se pudesse lhe oferecer algo, gostaria de lhe dar a sensação de um passeio a beira mar em um dia de céu azul e vento gelado. O sol no meio da paisagem aquece o corpo, nos cega para a realidade e nos faz delirar com cores jamais vistas e que certamente não existirão.

Um comentário:

ZG disse...

é tudo de mais humano, e intenso, e cru, no sentido mais fresco da palavra, que eu já li de ti. transbordam emoção e verdade de cada frase e cada letra. te amo