quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Castelos e lágrimas

Os castelos desmoronam um a um. Quer andar pelas ruas, não dançar. Os adultos andam com os dois pés bem firmes no chão. Não. Vive por aí tocando no lugar mais alto que pode. Cai, machuca-se e sente aqueles papéis picados subirem. O pranto doce escorre em gotas. Vê o futuro logo ali. Mas não sabe como deveria ser. Ele está embaçado. O reino do tão tão distante nunca se mostrou tão próximo. A realidade dos castelos tão vazias. Restaram os livros. Devora histórias, letras de música, poesias. Elas já estão ficando gastas e sem cheiro de tantas lágrimas. Cada uma chora um castelo. Assim passa mais um ano e os papéis continuam espalhados e brilhando. As borboletas do estômago mais uma vez são obrigadas a se calar. Quando elas poderão sair em festa como se fosse carnaval? O samba não quer devolver as cores. A dança sem público da vida que não pára de pedir mais música, mais corpo. Sim, ela quer dois pés para lhe fazerem companhia. Só a dança lhe preenche o vazio. Vermelho. Cinza? Vermelho! Cai devagar sem se limitar às barras estreitas.

domingo, 25 de novembro de 2007




"As alegrias me ocupavam, ficar atenta me tomava dias e dias; havia os livros de história que eu lia roendo de paixão as unhas até o sabugo, nos meus primeiros êxtases de tristeza, refinamento que eu já descobrira; havia meninos que eu escolhera e que não me haviam escolhido, eu perdia horas de sofrimento porque eles eram inatingíveis, e mais outras horas de sofrimento aceitando-os com ternura, pois o homem era o meu rei da Criação; havia a esperançosa ameaça do pecado, eu me ocupava com medo em esperar; sem falar que estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o que eu era, não me decidia por qual de mim, toda eu é que não podia, ter nascido era cheio de erros a corrigir".

Clarice Lispector

Quanto mais a leio, mais me leio.

sábado, 24 de novembro de 2007

Papel picado

O peito se enche de milhares de pedacinhos de papel picado. E eles brilham tanto quanto quando caem das sacadas em dia de festa. As borboletas batem suas asas e despertam um ponto que estava acomodado. Parece que ligaram o ventilador e eles não conseguem se comportar. A vida que já estava rosa, volta a ser vermelha. Os pedacinhos de papel parecem subir até a garganta. Ameaçam se espalhar. O vento tenta. Os papeizinhos vibram, as asas das borboletas são tão rápidas que nem se pode ver. O medo não deixa que os papeizinhos engasguem a moça. A estrada não consegue virar Alice. E o menino também não sabe se ainda quer uma daquela. Ele não sabe se quer que os papeizinhos todos se misturem e qualquer dia tenha que separá-los. Mas foi bem feito. Foi bem feito, e agora as borboletas entraram em catarse. Elas torcem pelo vermelho. Vibram para que os caminhos se encham de recortes. Elas querem que esses dois à toa montem o quebra-cabeça. Quem sabe os papeizinhos consigam, dessa vez, montar aquela história que a menina teima em inventar.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Samba que devolve as cores

Lá de longe, escondida no despertar das paredes, como se deslizasse em um mundo de vaidades.O vazio se colore. Vermelho. Ela não pára. E a parede por vezes parece ao alcance das mãos. Etérea, volátil, viva. Contornos tênues, por vezes pretos, por ora pontilhados. Vermelho, muito vermelho. Lá de longe, no colorido, esconde-se no limbo. Não se tocam. Uma cabeça se infla, enquanto outra reflete. Do faz-de-conta vê-se a explosão. As cores se misturam. Arco-íris. Cada vez mais leve. A linha sobe firme, escura, una. Passos de tinta trilham um caminho. Carnaval. E elas explodem em sabedoria. Linha no teto. Direita, esquerda. Confetes maquiam a desilusão. Vermelho, rosa, branco, cinza. Estilete. Pinta parede de vermelho. Ciclo.Cambalhotas, risadas. Passos bêbados mancham vidas. Cores vivas, cores com lágrimas, cores que sangram. As mãos não param. O pincel não dá trégua. Volátil. Lúcida. Borram aplausos. Colorem pensamentos. Rabiscos. Espaço que jorra suspiros. Cores contam dores. Lugares cheiram amores. Ralo. Vermelho. Flores se desmantelam. Tempo. Pés encontram vozes. Cadeiras, mesas, obstáculos. Samba que devolve as cores.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Lembrou de esquecer o amor....

Um dia acordou e lembrou de esquecer o amor. A alma estava precisando de roupa nova. Seca, crua, insossa. A angústia a domina há tempos. Não sabe andar vazia. Traz a dor. Quer dançar. Quer outra música. As cicatrizes não passam de uma marquinha. Nem pensa mais nelas. O fascínio acabou. Elas podem morrer. Ir embora. Não vai sentir falta. Aquele cachorro lindo de pêlo preto, com o seu dono deliciosamente apaixonante. O sal até reaparece. Mas, a semana inteira no quadrilátero branco... A intensidade precisa tomar conta do espaço todos os dias. Colhe folhas secas no sábado. Sai de lá e tudo reluz, menos os olhares. Continuam no escuro. As nuvens não param de fazer chover. Os dedos nem mais sentem o frio. O dia vai e toma conta do palco. A bailarina se impulsiona, gira. Os movimentos não são lineares. Quebram-se no vento. Ela persiste nas linhas tortas. Aperta, contrai, estica. O limite do corpo. O limite da alma. Não sabe se é bom encontrá-los. As estrelas cantam no seu ouvido. Ela grita. A porta bate. O vazio permanece. Chapeuzinho Amarelo não quer brincar no jardim. A criança não quer ir embora. Isso lhe causa dores terríveis. Mas têm ali um par de óculos. Um super herói. Escondido atrás dos livros. Ele a deixa livre para que continue a fazer castelos, a desenhar linhas. Ela precisa do grito, do gemido, do orgasmo.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Fazer chover

Eu queria saber o que existe atrás dessa farsa de Deus e o que foi que Nietzsche enxergou e contou nos seduzindo. Descobri que a alma das pessoas é sempre um risco de vida. Elas podem desabar de um prédio de 20 andares todos os dias. E o grito amargo preso na vontade de viver que o tempo coíbe não será ouvido. Ao descer todos esses andares várias vezes por dia, sinto um pouco do meu olhar se esvaindo em pensamentos que fazem chover. A chuva, às vezes, pode ser doce se ao escorregar da escada encontrarmos flores que encantam pensamentos. Mas ao abrir o portão, o mundo lá fora continua cinza. As ruas continuam a amargar as decepções e ansiedades dos corações. Não há nada que faça viver sem chover. Não é possível o vermelho sem o cinza. E ficamos todos a viver esperando o nosso próximo martírio. A caminhada pode parecer apaixonada, mas sempre guarda um rastro de perversão. Como acabar com a perversão que assola a essência do nosso choro e do nosso riso? Como amar sem sair do caminho? Como viver sem encostar no cinza? Eu quero o caminho das crianças, que descobrem as cores, que se satisfazem com brincadeiras adoravelmente tão cruéis quanto o mundo que lhes espera. Eu quero matar Deus e o que está por trás de Deus.